A vida apagada da brilhante Mileva Einstein
Atualizado: 19 de dez. de 2021

Hoje, 19 de dezembro, se comemora o aniversário de nascimento de Mileva Marić Einstein. Mas quem se lembra dessa brilhante cientista? Enquanto seu marido, Albert Einstein é famoso por ser, quem sabe, o maior físico do século XX, uma pergunta sobre sua carreira permanece: Quanto contribuiu sua primeira esposa à sua inovadora ciência? Ainda que ninguém tenha sido capaz de dar-lhe crédito a nenhuma parte específica do trabalho de Albert, as numerosas cartas e testemunhos apresentados nos livros dedicados a ela, proporcionam provas substanciais da colaboração entre os dois desde que se conheceram em 1896 até sua separação em 1914.
Mileva Marić nasceu na Sérvia em 1875, filha de um rico e respeitado membro da sociedade, ela assistiu à escola secundária na Sérvia até o último ano em que se aceitava a participação de mulheres. Devido à sua influência, seu pai conseguiu autorização do Ministério de Educação para que ela assistisse a conferências de física reservadas ao sexo masculino. Os companheiros de classe de Mileva a descreviam como brilhante, porém calada. Gostava de chegar a fundo nas suas coisas, era perseverante e trabalhava por suas metas.
A história de Albert e Mileva começa em 1896 quando foram admitidos na seção de física e matemática do Instituto Politécnico de Zurich e se tornaram inseparáveis. Metódica, Mileva o ajudava a canalizar sua energia guiando seus estudos. Entre 1899 e 1903, no período de férias escolares, trocaram intensa correspondência: 43 cartas de Albert a Mileva foram preservadas, mas apenas 10 cartas dela a ele. Estas cartas contam em primeira mão a história de como interagiam nesse momento. Em agosto de 1899, Albert escreveu a Mileva:
“Quando li Helmholtz pela primeira vez, achei tão estranho que você não estivesse ao meu lado e hoje isso não é melhor. Acho que o trabalho que fazemos juntos é muito bom, curativo e também mais fácil.”
Então, em 2 de outubro de 1899, ele escreveu de Milão:
“... o clima aqui não me agrada em nada, e quando perco o trabalho fico cheio de pensamentos sombrios. Em outras palavras, sinto falta de ter você por perto para que você gentilmente me mantenha no controle e me impeça de divagar. "
Mileva vivia em uma pensão para mulheres onde conheceu suas amigas de toda da vida Helene Kaufler-Savić e Milana Bota. Ambas falaram da presença contínua de Albert na casa, onde livremente tomava livros emprestados na ausência de Mileva. Mila Popović, neto de Helene, publicou as cartas que Mileva trocou com Helene durante toda sua vida.
Ao finalizar suas classes na escola de física em 1900, Mileva e Albert tinham notas similares (4,7 e 4,6 respectivamente), exceto em física aplicada, onde ela teve a maior nota, 5, porém ele apenas um 1. Ela se destacava no trabalho experimental, enquanto ele não. No entanto, no exame oral o professor Minkowski deu um 11 e 12 aos quatro alunos homens da classe, mas apenas um 5 a Mileva. Assim só Albert obteve seu título de Físico.
A família de Albert se opunha fortemente à relação dos dois. Sua mãe era inflexível: “Quando tiver 30 anos, ela será uma velha bruxa”, reportou Albert à Mileva em carta datada de 27 de julho de 1900. Mileva não era judia nem alemã. Ela era manca e muito intelectual, segundo a mãe de Albert, para não falar do preconceito contra estrangeiros. Além disso, o pai de Albert insistia que seu filho encontrasse trabalho antes de se casar. Em setembro de 1900, Albert escreveu a Mileva:
“Espero com anseio retomar nosso novo trabalho em comum. Por agora deves continuar com sua pesquisa – quão orgulhoso estarei de ter uma doutora como esposa enquanto eu serei apenas um homem comum.”
Ambos regressaram a Zurich em 1900 para começar seu trabalho de tese. Os outros três estudantes homens receberam um posto de assistente no Instituto, porém Albert não. Suspeitava que o professor Weber o estava bloqueando. Sem trabalho, se negava a casar-se com Mileva. Eles se viravam economicamente dando aulas particulares e “continuavam a viver e trabalhar como antes”, como escreveu Mileva à sua amiga Helene Savić.
Em 13 de dezembro de 1900, apresentaram um primeiro artigo sobre a capilaridade assinado somente por Albert. No entanto, ambos se referem a este artigo nas cartas como um trabalho em comum. Mileva escreveu à Helene em 20 de dezembro de 1900 “Enviaremos uma cópia privada a Boltzmamn, para ver o que ele pensa e espero que nos responda.” Da mesma forma, Albert também escreveu a Mileva em 04 de abril de 1901 dizendo que seu amigo Michele Besso “visitou a seu tio em meu nome, o professor Jung, um dos físicos mais influentes da Itália e lhe deu uma cópia do nosso artigo.”
A decisão de publicar o trabalho apenas sob o nome de Albert parece ter sido tomada conjuntamente. Mas, por quê? Radimila Milentijevic, ex-professora de história no City College de Nova Iorque, publicou em 2015 a bibliografia mais completa de Mileva. Ela sugere que Mileva provavelmente queria ajudar Albert a fazer um nome, de modo que poderia conseguir um emprego e se casar com ela. Dord Krstic, ex-professor de física da universidade de Liubliana, passou 50 anos investigando a vida de Mileva e em seu livro sugere que naquela época uma publicação assinada por uma mulher poderia ter tido menor peso.
Nunca saberemos. Mas ninguém esclareceu mais do que o próprio Albert Einstein que ambos colaboraram na teoria da relatividade quando escreveu a Mileva em 27 de marco de 1901:
“Quão feliz e orgulhoso ficarei quando nós dois juntos levarmos nosso trabalho sobre o movimento relativo a uma vitoriosa conclusão.”
Então o destino de Mileva mudou radicalmente. Em uma escapada romântica ao Lago de Como ela ficou grávida. Desempregado, Albert ainda não se casaria com ela. Com o futuro incerto, Mileva fez um segundo e último exame oral em julho de 1901. Dessa vez, o professor Weber, que Albert suspeitava que bloqueava sua carreira, a reprovou. Obrigada a abandonar seus estudos ela voltou à Sérvia, porém regressou brevemente a Zurich para tentar dissuadir Albert a se casar com ela. Ela deu à luz a uma menina chamada Liserl em janeiro de 1902. Ninguém sabe o destino da garota. Provavelmente foi entregue a adoção já que nunca foram encontrados certificados de nascimento ou de óbito.
No início de dezembro de 1901, Albert conseguiu um posto no escritório de patentes em Berna, onde começou a trabalhar em junho de 1902. Em outubro, antes de morrer, o pai de Albert o autorizou a se casar com Mileva, e se casaram em 6 de janeiro de 1903. Albert trabalhava oito horas ao dia, seis dias por semana. Mileva assumiu as tarefas domésticas. Durante as noites, trabalhavam juntos, às vezes até altas horas. Em 14 de maio de 1904, nasceu seu filho Hans-Albert.
Apesar disso, 1905 é conhecido como o “ano milagroso” de Albert: publicou cinco artigos: um sobre o efeito fotoelétrico (que lhe rendeu o Prêmio Nobel em 1921), dois sobre o movimento browniano, um sobre a teoria da relatividade especial e a famosa E=mc2. Também fez comentários em 21 artigos científicos e apresentou sua teoria sobre as dimensões das moléculas. Muito mais tarde, Albert disse a R.S Shankland que a relatividade havia sido sua vida durante sete anos e o efeito fotoelétrico durante cinco. Peter Michelmore, um dos seus biógrafos, escreveu que depois de passar cinco semanas completando o artigo que continha a base da relatividade, Albert ficou de cama durante semanas. Mileva revisou o artigo várias vezes e depois o submeteu. Exausto, o casal fez a primeira de suas três visitas à Servia onde encontraram a numerosos familiares e amigos, cujos testemunhos proporcionam uma grande quantidade de informação sobre a colaboração entre Albert e Mileva.
O irmão de Mileva, uma pessoa conhecida pela sua integridade, permaneceu por várias ocasiões com a família Einstein enquanto estudava medicina em Paris e descreveu como durante a noite o jovem casal se sentava a mesa e trabalhavam juntos em problemas de física, calculavam, escreviam, liam e debatiam. Também o pai de Mileva contou que durante a sua visita em 1905, Mileva comentou:
“Antes da nossa partida, nós terminamos um importante trabalho científico, que fará com que o meu marido seja conhecido em todo o mundo”.
A prima de Mileva que estava presente na ocasião, confirmou a informação.
Em 1908 o casal construiu com Conrad Habicht um voltímetro ultrassensível. O trabalho experimental é atribuído à Mileva e Conrad, Albert teve a tarefa de descrever o aparato, já que tinha experiência em patentes. O aparato foi registrado sobre a patente de Einstein-Habicht. Quando Habicht questionou a decisão de Mileva de não incluir seu nome, ela respondeu com um jogo de palavras em alemão que significa: “Por quê? Nós dois somos uma entidade”.
O primeiro reconhecimento se produziu em 1908. Albert deu classes não remuneradas em Berna, e logo o ofereceram sua primeira posição acadêmica em Zurich em 1909. Mileva o assistia. Oito páginas das primeiras notas de classe de Albert estavam com sua letra. Assim como uma carta escrita em 1910 em resposta a Max Planck. Ambos os documentos estão nos Arquivos de Albert Einstein, em Jerusalém.
O segundo filho, Eduard, nasceu em 28 de julho de 1910. Até 1911, Albert ainda enviava postais carinhosos a Mileva. Mas em 1912, iniciou um romance com sua prima Elsa. Mantiveram correspondência secreta durante 2 anos. Isso causou um colapso em seu matrimônio. Mileva regressou a Zurich com seus dois filhos em julho de 1914. Em 1919, aceitou o divórcio, com uma cláusula que indicava que se Albert ganhasse o Prêmio Nobel, ela obteria o dinheiro. Quando o fez, comprou dois pequenos edifícios de apartamentos e viveu pobremente de seus ingressos. Seu filho Eduard desenvolveu esquizofrenia e devido aos gastos médicos, Mileva lutou financeiramente toda sua vida e finalmente perdeu ambos os edifícios. Ela sobreviveu dando aulas particulares e da pensão alimentícia que Albert enviava, embora irregularmente.
Em 1925, Albert escreveu em seu testamento que o prêmio Nobel era a herança dos filhos. Mileva objetou firmemente, dizendo que o dinheiro era seu e considerou revelar suas contribuições ao trabalho de seu ex-esposo. Radmila Milentijevic cita uma carta que Albert enviou a Mileva em 24 de outubro de 1925:
“ Você me fez rir quando começou a me ameaçar com suas memórias. Você já considerou, mesmo por um segundo, que ninguém jamais prestaria atenção ao que você diz se o homem de quem você fala não tivesse realizado algo importante? Quando alguém é completamente insignificante, não há mais nada a dizer a essa pessoa a não ser permanecer modesto e calado. Isso é o que eu te aconselho a fazer”.
Mileva permaneceu em silêncio, mas sua amiga Milana disse a um jornal sérvio em 1929 que deviam falar com Mileva para averiguar a origem da teoria da relatividade, já que ela estava diretamente envolvida. Mileva falou dessas contribuições a sua mãe, e a sua irmã. Também escreveu a seus padrinhos explicando como havia colaborado com Albert e ele tinha arruinado sua vida, mas os pediu que destruíssem a carta. Seu filho, Hans-Albert também confirma a colaboração entre os seus pais. Frieda, a primeira esposa de Hans-Albert, tentou publicar as cartas que Mileva e Albert haviam mandado a seus filhos, mas foram bloqueadas no tribunal pelos executores da propriedade de Einstein, Helen Dukas e Otto Nathan, em uma tentativa de preservar o "mito de Einstein". Eles evitaram também evitaram outras postagens. Em julho de 1947, Albert escreveu ao Dr. Karl Zürcher, seu advogado de divórcio: “Quando Mileva não estiver mais lá, poderei morrer em paz”.
Suas cartas e os numerosos testemunhos mostram que Mileva Maric e Albert Einstein colaboraram estreitamente desde seus dias de estudantes até 1914. Sem Mileva, Albert nunca haveria tido êxito. Ela abandou suas próprias aspirações, feliz de trabalhar com ele e contribuir com seu sucesso, sentindo que eram uma entidade única. Uma vez iniciado, o processo de assinar o trabalho unicamente sobre o nome de Albert se tornou impossível de reverter. Ela provavelmente concordou, já que sua própria felicidade dependia do sucesso de Albert. Por que Mileva se calou? Por ser reservada e modesta, ela não buscava honras ou atenção pública. E como sempre é o caso com colaborações tão próximas, as contribuições individuais são quase impossíveis de separar.
Texto adaptado de https://www.scientificamerican.com/espanol/noticias/la-vida-olvidada-de-la-primera-esposa-de-einstein/